quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O segredo das cores

Ardem-me os olhos embriagados de azul entre cores que se disfarçam de gente. Enxergar colorido é desinventar o real, recriando coisas sobre atos à margem dos que não enxergam preto e branco, mas tudo aconteceu de repente. A moda dos olhos passa pela bainha das franjas, cílios que se tornam cortinas, a esperar o terceiro sinal para que a luz se faça presente.
Aquela garotinha ali a colorir o caderno de desenhos que havia ganhado em seu aniversário, me inibia de pensar coerentemente. A deformação, se é que podemos chamar assim, da realidade artística da garotinha, era tsunâmico (palavra inventada) a derrubar os paradigmas da reprodução do olhar. E o que mais me encantou foram as suas respostas a cada pergunta que fazia. “Porque você pintou o coração de amarelo?”.
Ela: “Porque isso que chamam de coração, não representa a anemia que se vive por conta dele”. Ela enxergava o dentro da coisa sem medo de arriscar interferir. E a cada pergunta uma fantasia, perfeitamente criada sobre o que já conhecíamos como pronto. Logo percebi que as frutas seriam também de outras cores, e as nuvens e tudo que ali se encontrava, naquele caderno de desenhos.
Voltei pra casa e pus-me a querer imitá-la, não colorindo desenhos, mas refazendo pensamentos sóbrios sobre como andava a minha história e vida diante do mundo pronto e colorido. E por um instante pude perceber que nada mais era como havia enxergado; que tudo a minha volta era próprio do instante, sem o espetáculo dos olhos, mas da alma. Iludido tentei entender a reprodução que a minha mente ia conduzindo, entre palavras e pensamentos que logo desapareciam, para dar vida a uma outra configuração, banal, claro, do realismo que os meus olhos enxergavam. Como se a cidade em preto e branco exigisse uma outra saída de tons e matizes que forçassem a minha ânsia em querer desvincular, o meu centro, de tudo o que havia sido apresentado até o presente. Embriagado de cores, adormeci desejando sonhar em preto e branco, o nada da gente de forma mais verossímil.

Marcos Vidal

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