domingo, 31 de outubro de 2010

Tem dias




Tem dias como hoje
que salto para fora de mim
andando por aí
sem saber dizer
quem sou
como se o rio corresse
ao contrário
e as garças
descansassem luz.

Há dias que o meu
peito ecoa brisa
e nessa lentidão
retorcendo o meu penar
fui levando
minha alma
antes mesmo
dela acordar.

Hora bebo luz
soerguendo cicatriz
noite alta, névoa branca
quase posso tocar
minhas lembranças
nessa força motriz.

Meu deslinde
à luz do dia
feito sob chuva fina
dessas que marcam a pele
pois, mesmo que me revele
não vou florir mais não.

Tem dias como hoje
que o cinza do dia escurece-me
e mesmo o meu lado mais azul
no branco da neve arrefece

Buscando servir a tormenta
agora de nada adianta
pois, cansado de tanta lembrança
na estrada velha e barrenta
a criança que chora e senta
deixa voar a esperança.


Marcos Vidal

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Flor de Algodão





De repente o silencio se fez.
Procurei no céu nuvens e não te vi.
Cá embaixo um volume incongruente de transeuntes torna-se coisas; eles se deslocam à procura de algo, que também não sabem o quê.
No rosto deles reflexo do meu espanto.
E você diz: “Sim, existe um motivo”.
Eu, de olhos brancos, tonto de buscar nos algodoeiros o mesmo efeito da neve; trago ainda os pés congelados por insistir soprar a flor do algodão.
Mas bem ali, a beira da saudade o mar português, abismado da minha lucidez inebriante, colhias de ti, enquanto tu nadavas uma simples lágrima de suor. No meu sonho verbal tu nadavas. Acordei com a pele ainda salgada, trazia e traduzia a tatuagem vista ao contrário no espelho. De repente um forte gosto de nuvem de algodão tomou-me de pronto. Violinos firmes gotejavam em si a me segurar ilusoriamente, mas cheio de certeza me guardei.


Marcos Vidal