quarta-feira, 28 de abril de 2010

Ao Manoel de Barros





Corre no Manoel
uma raiz por dentro
que me galha.

E quando o vento
sopra ao contrário
voando com
os passarinhos
sem asas
eu me nuvem
me vermelho
coisa de instante.

Atrás da tarde
uma garça me destoa
ali onde a neblina
me empulha
e os beija-flores
descansam asas.

Perto do rio
um peixe descama.
Acendo um vaga-lume
pra preencher o verde
sem casa.

Atrás da chuva
o vento grita
um verbo infantil
desses que animam cores
em coice de cavalo

Quando eu me coiso
me diviniso
respiro Deus e
aspiro borboletas
entupidas de flores

Dentro do eco
mora um grilo
que roça árvores com os pés
em busca do som
da abelha
na lã de papel.

Quando me resto
encontro-me.
No corpo do besouro
a noite é mais escura

Sentado sobre o horizonte
Disse-me Manoel:
"De tarde arborizo pássaros"
eu breve de nuvem rasa
dos versos que o poeta
guarda
dirijo a amplidão.

Pousa em mim
um verso aquário
dos verbos
do meu poeta
Manoel de Barros.





Marcos Vidal






domingo, 25 de abril de 2010

Felicidade... onde?

















Sabe essa dependência pela felicidade, irritante utopia que nunca sai de moda? Pois é, continuo correndo sem parar, de coração na mão a gritar em busca dessa tal felicidade. Sei que é isso que nos move, mas, estou cansado de querer enxergar felicidade onde não existe. Nos quadros de galerias, no som das ondas do mar, no passarinho da cidade que, mesmo perdido de seu habitat natural, consegue cantar seu canto de felicidade. Em tudo eu a procuro.

E quando uma doença da alma, um tremor do corpo, uma falsa ilusão, uma casa sem cômodos, sem objetos, estanca essa procura, me pergunto: Então é isso... a felicidade é sem adorno? Vazia? O que ela preenche na verdade? E todo mundo dizendo que é coisa de instante. Você é pessimista, logo dizem. Não... eu sou realista. Essa onda de dizer coisas só pra agradar, pra dizer que está feliz é balela.

A felicidade é sem escrúpulo, cega, irritante quando se atrasa, pôr do sol a sumir no horizonte, fugaz. Então por que corremos tanto, se já sabemos que é só um piscar de olhos? Porque a felicidade não tem forma, ela é a luz do sonho possível, a mentira eterna que passamos a chamar de verdade, a razão de estarmos vivos.




Marcos Vidal

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Silêncio

Teu silêncio

corre com o vento

lá fora.

Eu pequenino

diante da aurora

pensei escrever

a nossa história.

Mas tua calma

sem voz

perto do rio

palra-me trítonos.

Teu silêncio

retumbante

que na índia

faz coro aos elefantes

desnorteia-me.

Tua voz sem teia

já não gorjeia

a lembrança em mim.

Dizem que o silêncio

tem poesia

Eu breve de minha agonia

não perco mais solidão

Teu silêncio

ainda corre com o vento

lá fora

e o tempo que não é

o meu agora

grita pleno:

vai-te embora

que o meu olho

cansado já chora.

Marcos Vidal




segunda-feira, 5 de abril de 2010

O engolidor de palavras



Para o jovem Rodolpho Fonseca.



Poesia é voar fora da asa.

Manoel de Barros



O relógio ainda nem despertou e lá esta ele a caçar palavras no dicionário a fim de responder as imagens do sonho que lhe acompanharam madruga adentro. A mente parece que seca com o sonho, diz ele. Sempre arruma desculpas para ir ao dicionário. Pela manhã foi o sonho. Mas no decorrer do dia, lá vinha àquela necessidade de encontrar palavras que pudessem ajudá-lo a entender o tempo de sua caminhada matinal de casa até o colégio. Era na verdade uma vontade de decodificar os acontecimentos do dia a dia. Uma mente poética nunca cessa de apreender coisas, principalmente quando existe a possibilidade de entender a si mesmo e o mundo a sua volta.

Após estabelecer em sua mente os signos necessários seguiu tranqüilo em sua rotina. Depois da leitura do dicionário passou ao banheiro. Tomou uma ducha (sempre fria para espantar as idéias contrárias) o desjejum, arrumou o material e saiu com a mochila nas costas para o colégio. Nesse dia em específico, cinzento de nuvens-chumbo, havia um tom melancólico no ar. Talvez porque a chuva é sempre triste na cidade. Mas fez pouco caso e partiu. Na certa iria chover! Mas não quis se dar ao trabalho de voltar e procurar o guarda-chuva, que, aliás, era um utensílio que pouco usava. Fechou a porta e saiu.

Seguiu pela avenida. A escola em que estudava ficava a duas quadras de sua casa. Havia algo de estranho no ar. Além das nuvens cinza, a cidade estava vazia. Parou no sinal. Em meio aquele ar sombrio, uma doce melodia de pássaros atingiu-lhe o corpo. De repente um calor. Havia uma luz sobre sua cabeça. Era estranho porque parecia que ninguém mais enxergava aquela luz. Só ele a via. O sinal abriu e ele continuou andando. Foi de repente que sentiu gotas de papel caindo sobre sua cabeça. Eram palavras que desciam do sol. Muitas, milhares... como uma bomba atômica, uma força simbólica grande. E elas foram descendo: Amor, ódio, coragem, tristeza, fome, política, caráter, ética, bondade, covarde, catástrofe, religião, sexo, culpa, sobriedade, infeliz, feliz, sucesso, profissão, e a última que depois de muitas horas caindo, tropeçou-lhe nos lábios jovem que a proferiu em voz alta: POETA. E um devaneio de cores e imagens tomou-lhe o instante em que deu som à palavra.

Ele sabia sem saber explicar que falava a língua dos passarinhos, das formigas, das lesmas, dos homens, de toda a natureza. Sabia também que sentiria mais que os outros. A palavra POETA haveria de fazê-lo um homem diferente, lá onde vive o abstrato, o subjetivo, o metafórico, o enigma. Lá onde as respostas buscam respostas. Seguiu para a escola atordoado de ser mais um escolhido. Já em sala sentou na última cadeira. Debruçou a cabeça sobre os braços e adormeceu em seu sonho corriqueiro de dias azuis e de beleza infinita. Viu-se rolando em uma folha gigantesca de papel. Pensamento híbrido, solto na amplidão daquela página em branco que he soprava palavras esgarçadas, imagens sutis que traziam cores, criação pura. De volta a realidade, tudo parecia disforme. Os acontecimentos daquele dia tinham sido demais. Seu corpo tremia, sua alma rangia. Um misto de pânico e prazer retinha-lhe a mente. Atordoado, levantou da cadeira e foi cheirar a manhã. Era melhor do que a frieza das palavras do dicionário. Tudo vertigem. Deitou na relva a espantar as nuvens pra dentro de si e ali, pela primeira vez, sonhou acordado.

Atordoado de coisas começou a se sentir diferente. Era outro. Enxergava enviesado o movimento dos pássaros, o som retumbante da natureza, a atitude dos outros, tudo enfim. Sua mente satélite agora capta o invisível, o não dito, o sentido dos objetos, o incompreensível, o metafórico. Agora ele esconde o real entre palavras. Faz parte do lado humano do ser. Virou poeta.


Marcos Vidal