Deixa-me
respirar um pouco dessa fantasia, dessa euforia e de tudo que leve tempo pra se
acostumar. Um pouco de harmonia nesse tal egoísmo fingido, de poder acreditar
que a diferença se instaura no olhar, de poder acreditar ser como os outros nos
veem.
A
minha poesia revira as coisas, as pessoas, o real. Viver entre esse limiar faz
de mim um ser ausente e bucólico, antecedido pelo pouco valor que dou as
coisas.
Sobre
a película da vida descubro coisas, nunca com tempo de rever ou reviver, e
mesmo sabendo disso não sou como os outros; e ficar no meio do caminho virou mania
minha. O futuro de todo ano novo é fantasioso e sem escrúpulos, embora o tempo
em que passo a pensar nos instantes que compõem a vida não leve a resultado
nenhum.
A neutralidade instaura um sabor de novidade,
de fugacidade entre dois seres estranhos que se encontram e se reconhecem um no
outro, como num déjà vu a embaralhar
o centro do pensamento que deseja desvendar o mistério do já visto. É dessa
sensação de que falo, dessa arrogância, dessa misteriosa cereja que compõem a
nossa cobertura.
Estagnar
o futuro no presente mais simples e alegre, congelar a sensação do ventre da
mãe em todos os instantes, no desenho que fazemos com as mãos no ar, no corpo
mudo que os outros leem sem tarja preta, sem censura, a leveza que somos
sabendo-se pesado, trancado a sete chaves no mais puro deslumbre dos fogos que
clareiam o céu. O primeiro dia deveria ser néctar adocicado antevisto pela
lente de uma abelha, a traçar caminhos que perfazem o sentido natural e animal
da nossa estrutura cerebral. Molécula arritimada, pétala seca sobre trilhos de
pedra, córrego d’água a ferir de perto o caminho das formigas. E eu, também esse
ser mínimo e inoperante, deixo o vento levantar-me a vela e dizer-me o caminho
das moscas nesse ano que começa.
Primeiro dia ausente: sem a festa dos olhos,
sem o sorriso largo dos morcegos, sem a cruel mania de achar algo sobre tudo,
sem conseguir cavalgar sobre o irreal se achando, sem a busca frenética e
irresistível da perfeição, do fazer-se presente, sem a repetição inanimada e
mareante sobre o medo, sem a febre da casa vazia sob as nuvens desenhadas a
lápis, sob os cogumelos flamejantes derretidos por conta do sol escaldante na
cidade que vai sendo consumida pelo calor nada humano.
A
quentura vai engolindo a gente com sua boca enorme, transformando corpos e
pensamentos, estagnando vírus em nós. O primeiro dia não aquece as previsões,
e, alucinado, estabeleço o vazio como meta zen e reumática a perseguir a ilusão
ensanguentada da mentira seca. O primeiro dia me enoja de contar nos dedos a
minha falsa plenitude, de seguir com a educação acreditando ser, mas que
ninguém percebe. Tudo que faço é para que percebam a minha educação? Nunca fiz.
Mas estou cansado e desnutrido de fingir que educação é mania nacional. Foram
me moldando desde que nasci. Abro a porta e saio sem saber se antes era o meu
corpo mesmo que dizia tudo que foram creditando a minha pessoa, a me obrigarem
a andar na corda bamba, a fazer o poeta a gritar sem som, que pra fazer valer o
brilho dos meus olhos precisei comprar palavras.
Essa arrogância cibernética a mudar as pessoas
entrecortadas de cliques, o deus estampado na palma da mão a comandar o cursor,
a redirecionar a ilusão em uma potência maior. O primeiro dia é sem parágrafo,
sem compra nem venda, sem arquitetura, com afunilamento, com mais lamento que
funil, mais estreito, inquieto, desejando soberba, mais fraco, irrisório.
Cada
vez mais o desejo pelo real inunda a minha veia. Vai dando uma rouquidão, uma paranóia,
dada a volúpia de emoções desconcertadas e atrevidas, porque a morte sempre
estará ali a espreitar de soslaio com a sua imensidão misteriosa a nossa
pequenez. Sensações que o primeiro dia causou em minha mente cansada e velha,
sempre velha, a descobrir um corpo sem ritmo, perdido entre os vivos.
Estar
perdido e saber que se está perdido dói mais do que quem sofre de Alzheimer. A
lucidez esquarteja o instante das coisas quando se está ausente, essa razão de
buscar ser, de querer esquecer sem saber como. Acabei de passar pelo primeiro
dia, e tudo que guardei foi a D. Hermínia dizendo-se perdida em frente à porta
do quarto.
Salve
a saúde da vida, meu ano novo querido!
Marcos Vidal
Marcos Vidal
Eu também queria pra 2013 perder um pouco da cruel mania de achar algo sobre tudo e de esquartejar os instantes com a lucidez. A sede de realismo é normal, mas, por favor, continue guardando entusiasmo pra fantasia porque sem ela, a própria argamassa que une os blocos da realidade não adquiriria consistência. A fantasia é a mão que mexe a argamassa do real e o vento que faz o mar da realidade ter ondas... Mas, cá estou eu querendo achar algo sobre algo. Feliz ano novo e que a leveza escondida nos fogos e os fogos escondidos nos sonhos visitem nossas "realidades" este ano inteiro. Abração :)
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