THELMA
Era a carne
esponjosa e pulsante a dar um toque aveludado àquele corpo ainda jovem de
mulher que parecia saber das coisas. Entre o prazer e a loucura ela se fez.
Nutria o corpo sob outros corpos sobre o seu, e assim, aprendeu a vendê-lo. Decerto
a sua moral havia desaparecido, seu ego desfragmentado e a luxuria crescido. O
fato é que ela derretia-se sobre o prazer da carne, embora certa melancolia
chegasse ao final deixando-a frágil e viciante sem conseguir romper com aquele vício
que se esvaía em outro programa.
Assim,
seguia pelas normas impostas pelo corpo a destruir-se diante da realidade. Eram
chamas à lá inferno de Dante a cercar-lhe o corpo embebido de perfume: feromônio
extremo, cheirando como uma cadela, incansavelmente atroz, como se a vida
estivesse entre matar a fome do corpo e a melancolia existente após cada coito
sem lembranças. Não havia memória daquelas noites luxuriantes, a não ser pelas
marcas sangrentas a consumir-lhe a genitália já desfigurada e
amortecida pela quantidade de vezes que o sexo impunha.
O corpo ia dando
sinais de uma mente cansada de lutar contra o pouco de consciência que ainda
havia. Dores intestinais, escorrimento vaginais, tremores nas mãos, pedras
sangrando em sua alma, sinais de que estava desaparecendo, sumindo aos poucos.
Buscava alento, saúde, paz, nuvens brancas em seu céu que nunca mais esteve
azul. Sobre sua anatomia, muitas dúvidas, alma em fúria, arrogante prazer capaz
de diminuir o menor dos seres.
Aos poucos fantasmas
zombavam de sua alegria, dividindo a consciência inexistente e fugidia, ora
acesa e brilhante, ora diminuta e feia. Aquela angústia presente, sexo após
sexo também lhe consumia os sonhos, depois ficava ainda mais oca, noite após noite, dia após dia, embebida
numa culpa estrondosa de cor vermelha a dominar-lhe as entranhas. Seus olhos
parados miravam o teto pela manhã sem saber se aguentaria mais um dia, enquanto
seus olhos acompanhavam o percurso da aranha a tecer a mesa para o seu café da
manhã.
Não comandar
mais o seu prazer alojava certo perigo iminente, como se em instantes viesse
outro ímpeto inesperado. Os sonhos, alguns deles provocados por catarses
inesperadas, motivavam os fatos para que fosse maior a sua dor eterna. Sua mente
nervosa e deslumbrante nunca cessava de pensar e agir. Lembrava casos, repetia
palavras, gaguejava e trocava o significado de algumas. A loucura vinha
chegando mansa, em intervalos mínimos como ondas do mar.
Inesperadamente,
engravidou. De súbito, uma nova mulher brotou dentro dela, embora tivesse que
lutar incansavelmente contra o próprio corpo. Sete meses depois nascia Giovanna,
uma linda menina de olhos claros e cabelos lisos. Nasceu prematura porque não
conseguiu conter a volúpia de sua mãe, que mesmo grávida deitava-se com muitos
homens que tinham o fetiche de transar com mulheres grávidas.
Tudo o que Thelma
nos disse antes de ser internada no manicômio foi de que sua menina devia estar
com fome. Fechou os olhos e adormeceu dentro de si para nunca mais voltar.
A dor da perda
da filha somada a necessidade do corpo, explodiu dentro da realidade dela
enquanto nuvens sobrevoam sua liquidez. Sua menina havia sido levada. Este, o
ponto inicial de sua loucura. Tudo o que possuía era a sua menina. Thelma vinha
dando sinais de que sua mente estava cansada do real. Pequenos surtos antes da
menina nascer tornou-se uma constante. Após o parto, como que um pequeno
milagre instaurado em sua mente consciente, tornou-a saudável de novo. Mas foi
por apenas alguns segundos, somente o instante em que o médico colocou Giovanna
em seus braços. O nome da menina saiu como uma flor que desabrocha sem perceber
aos nossos olhos. Depois, o cansaço tomou-lhe o corpo. Ao abrir os olhos, a
velha Thelma não mais existia.
A menina foi
adotada por um casal que também lhe chamaram Giovanna. Thelma foi piorando, e
se antes já não podia contar com ninguém por causa de sua compulsão por sexo,
agora mesmo estava sozinha. Perambulou por muitos hospitais, viveu na rua, até
ser encontrada por padre Antônio. Hoje vive num abrigo em Marechal Hermes.
Aliás, foi lá que a conheci. Tudo que faz é alisar as mãos, como se quisesse
arrancar certa aliança imaginária a consumir-lhe os dedos, num ir e vir do
corpo a balançar sempre continuamente. Os olhos parados e fixos não contemplam
nada, o único sentido ainda aguçado é o da audição. A Música lhe faz bem, assim
como as histórias de faz de conta, ou qualquer fantasia que a leve de volta
para um lugar onde a sua mente consiga se perceber dentro da esquizofrenia
latente.
A última vez a
vi era só um corpo deitado em seu quarto. Não dormia, olhava fixamente para a
parede, espantada, embotada, invertida. Aquele olhar parado nunca mais saiu de
minha cabeça. Despedi-me e parti para nunca mais voltar, agarrado àqueles olhos
tristes que ainda me cercam as noites mal dormidas.
Marcos Vidal
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