terça-feira, 18 de dezembro de 2012

THELMA


THELMA

Era a carne esponjosa e pulsante a dar um toque aveludado àquele corpo ainda jovem de mulher que parecia saber das coisas. Entre o prazer e a loucura ela se fez. Nutria o corpo sob outros corpos sobre o seu, e assim, aprendeu a vendê-lo. Decerto a sua moral havia desaparecido, seu ego desfragmentado e a luxuria crescido. O fato é que ela derretia-se sobre o prazer da carne, embora certa melancolia chegasse ao final deixando-a frágil e viciante sem conseguir romper com aquele vício que se esvaía em outro programa. 
            Assim, seguia pelas normas impostas pelo corpo a destruir-se diante da realidade. Eram chamas à lá inferno de Dante a cercar-lhe o corpo embebido de perfume: feromônio extremo, cheirando como uma cadela, incansavelmente atroz, como se a vida estivesse entre matar a fome do corpo e a melancolia existente após cada coito sem lembranças. Não havia memória daquelas noites luxuriantes, a não ser pelas marcas sangrentas a consumir-lhe a genitália já desfigurada e amortecida pela quantidade de vezes que o sexo impunha.
O corpo ia dando sinais de uma mente cansada de lutar contra o pouco de consciência que ainda havia. Dores intestinais, escorrimento vaginais, tremores nas mãos, pedras sangrando em sua alma, sinais de que estava desaparecendo, sumindo aos poucos. Buscava alento, saúde, paz, nuvens brancas em seu céu que nunca mais esteve azul. Sobre sua anatomia, muitas dúvidas, alma em fúria, arrogante prazer capaz de diminuir o menor dos seres.   
Aos poucos fantasmas zombavam de sua alegria, dividindo a consciência inexistente e fugidia, ora acesa e brilhante, ora diminuta e feia. Aquela angústia presente, sexo após sexo também lhe consumia os sonhos, depois ficava ainda mais  oca, noite após noite, dia após dia, embebida numa culpa estrondosa de cor vermelha a dominar-lhe as entranhas. Seus olhos parados miravam o teto pela manhã sem saber se aguentaria mais um dia, enquanto seus olhos acompanhavam o percurso da aranha a tecer a mesa para o seu café da manhã.
Não comandar mais o seu prazer alojava certo perigo iminente, como se em instantes viesse outro ímpeto inesperado. Os sonhos, alguns deles provocados por catarses inesperadas, motivavam os fatos para que fosse maior a sua dor eterna. Sua mente nervosa e deslumbrante nunca cessava de pensar e agir. Lembrava casos, repetia palavras, gaguejava e trocava o significado de algumas. A loucura vinha chegando mansa, em intervalos mínimos como ondas do mar.
Inesperadamente, engravidou. De súbito, uma nova mulher brotou dentro dela, embora tivesse que lutar incansavelmente contra o próprio corpo. Sete meses depois nascia Giovanna, uma linda menina de olhos claros e cabelos lisos. Nasceu prematura porque não conseguiu conter a volúpia de sua mãe, que mesmo grávida deitava-se com muitos homens que tinham o fetiche de transar com mulheres grávidas.
Tudo o que Thelma nos disse antes de ser internada no manicômio foi de que sua menina devia estar com fome. Fechou os olhos e adormeceu dentro de si para nunca mais voltar.
A dor da perda da filha somada a necessidade do corpo, explodiu dentro da realidade dela enquanto nuvens sobrevoam sua liquidez. Sua menina havia sido levada. Este, o ponto inicial de sua loucura. Tudo o que possuía era a sua menina. Thelma vinha dando sinais de que sua mente estava cansada do real. Pequenos surtos antes da menina nascer tornou-se uma constante. Após o parto, como que um pequeno milagre instaurado em sua mente consciente, tornou-a saudável de novo. Mas foi por apenas alguns segundos, somente o instante em que o médico colocou Giovanna em seus braços. O nome da menina saiu como uma flor que desabrocha sem perceber aos nossos olhos. Depois, o cansaço tomou-lhe o corpo. Ao abrir os olhos, a velha Thelma não mais existia.
A menina foi adotada por um casal que também lhe chamaram Giovanna. Thelma foi piorando, e se antes já não podia contar com ninguém por causa de sua compulsão por sexo, agora mesmo estava sozinha. Perambulou por muitos hospitais, viveu na rua, até ser encontrada por padre Antônio. Hoje vive num abrigo em Marechal Hermes. Aliás, foi lá que a conheci. Tudo que faz é alisar as mãos, como se quisesse arrancar certa aliança imaginária a consumir-lhe os dedos, num ir e vir do corpo a balançar sempre continuamente. Os olhos parados e fixos não contemplam nada, o único sentido ainda aguçado é o da audição. A Música lhe faz bem, assim como as histórias de faz de conta, ou qualquer fantasia que a leve de volta para um lugar onde a sua mente consiga se perceber dentro da esquizofrenia latente.
A última vez a vi era só um corpo deitado em seu quarto. Não dormia, olhava fixamente para a parede, espantada, embotada, invertida. Aquele olhar parado nunca mais saiu de minha cabeça. Despedi-me e parti para nunca mais voltar, agarrado àqueles olhos tristes que ainda me cercam as noites mal dormidas.

Marcos Vidal

Nenhum comentário:

Postar um comentário