quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Cidade Invisível

Imagem: Argia, cidades invisíveis - Aquarela em papel - Lutero Proscholdt


Antes que a lua surja de novo, vamos comendo estrelas. Antes, rosas com limão espicaçam a boca do céu. Canto da mansarda sob um filete de luz. Minhas mãos molhadas escorregam sobre objetos, sobre os cômodos. Deslizo meus pensamentos antes da virada da noite, como se fosse possível estar diante da verdade que se apresenta toda semana. Pequenas borboletas disparam buscando o sol. Elas se perdem sobre pétalas de rosas desbotadas. Besouros ensurdecem antes de chegarem ao solo. O peso da nuvem descarrega água sobre tudo. A cidade está sobrecarregada de fios e cimentos sem cores, desbotada como as rosas.
O musgo vai comendo as paredes e marcando tudo que nasce à margem. Peixes esnobes sobem rio à cima para desovar. Bem perto dali, um pássaro canta o marasmo da cidade. Portas escancaradas abusam da privacidade das sombras, enquanto gnomos invadem jardins em busca de cogumelos. Uma nuvem de libélulas azuis segue pelo vão da cidade, mais à frente, girassóis esbanjam franjas, enquanto esperam por beija-flores.
Se apuramos bem os ouvidos seremos capazes de ouvir a sinfonia da cidade. O olho que vê tudo sabe. Lá não existe tempo, somente sensações de tempo. Laranjas cruzam em busca de sucos mais próximos ao sol.
Duas meninas que pensam existir permanecem estáticas. Uma sorri, enquanto a outra imita os caracóis com os olhos.
A cidade adormece suspensa na expectativa de ser descoberta.

Marcos Vidal

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