terça-feira, 17 de agosto de 2010

A moralidade do homem pós-moderno




Às vezes o mundo do sonho é melhor que o da realidade. Toda ideologia se faz à luz da nossa verdade. Brigamos para sermos entendidos, lutamos para ser quem somos sem amarras ou nuvens. O céu azul esconde estrelas que não conseguimos enxergar. De nós, somos desconhecidos. Nada é o que aparenta na verdade, pois no teatro da vida somos personagens mal definidos, talvez caricaturas do que pensamos que somos. Inventamos às vezes um outro ser para brincar no teatro da vida como se não houvesse amanhã. De nada temos certeza, ou melhor, apenas uma, a morte. Esta sim nos coloca no nosso lugar de seres efêmeros que se guardam em torno de uma moral, buscando com isso o reconhecimento dos outros. No entanto, como nos diz Nietsche, “a moralidade não é outra coisa (portanto, antes de tudo, nada mais) senão a obediência aos costumes, sejam eles quais forem. Ora, os costumes são maneira tradicional de agir e de avaliar”.
O homem pós-moderno quebra com a tradição, é a ruptura da ruptura, e talvez por isso incomode a sua maneira fragmentária de se colocar na sociedade contemporânea. O homem pós-moderno é desprovido de coisas e restos. A sua genealogia transborda em torno da sua lógica. No entanto, esta não é uma lógica racional, pois quando nos deixamos levar pelo sentimento que o inconsciente nos apresenta, abrimos uma porta e deixamos que o caminho que se siga a este, seja uma possibilidade. Nos jogamos cegamente neste caminho cego, e ao longo de nossa caminhada podemos ver um jardim sem flores, um sol sem luz, uma nesga de ser esquecido em uma encruzilhada difusa, sem a expectativa devida de se poder continuar sendo. Escolhemos os nossos caminhos e a nossa moral de acordo com a nossa verdade. Assim como Nietzsche, também acredito no homem imoral. Escreve o filósofo: “O homem livre é imoral, porque em todas as coisas quer depender de si mesmo e não de uma tradição estabelecida”. Assim, acreditamos no novo homem, um ser que segue a sua ousadia, a sua necessidade, a sua verdade. O individualismo tão em voga hoje, estabelece uma norma mediante o prazer de cada um. E este, por ser imprevisível, vai ditando regras e possibilidades que levam ao homem de hoje a necessidade de sempre, a de sua felicidade. A moral sempre seguiu a expectativa da educação, do corpo, da religião, da guerra, de uma inteligência superior que ordena mediante a sua crença. Pois crer aqui, é muito mais do que ter a certeza; crer aqui, é estabelecer uma verdade e seguir com ela, mesmo sabendo que essa verdade possa ser falsa.
A tradição sempre impôs uma moral, sempre fez valer as suas observações sem pensar em si mesmo como indivíduo, a partir dos seus desejos; ela sempre fez valer a sua razão, a sua verdade. O que podemos pensar sobre o conceito de verdade, se só conhecemos o que a tradição nos dita? Toda vez que o homem, ou um país quer se tornar independente de idéias, há guerras. O homem é movido por conflitos, no entanto, quando não sabemos bem o porquê, danamos a iludi-lo de verdade, bem fixa, como se o real pudesse significar alguma coisa dentro disso.
A realidade das coisas está sempre sendo moldada pela verdade dos outros. Nunca somos quem gostaríamos de ser. Gostar aqui está muito mais ligado ao que a tradição sempre pesou como algo verdadeiro, bom e inteligente. Sempre estamos a fazer política, estamos sempre negociando algo que nos traga prazer, esse é o lado moral, o imoral é aquele que segue a sua própria verdade, a sua própria necessidade que o faz se sentir gente na sociedade.
A grandeza do sonho admite tudo, até ser infeliz, desde que seja por seu bel prazer e não por uma imposição emergencial de quem acredita que a realidade seja melhor do que o sonho. Pois, quando paramos de sonhar é porque chegamos ao fim.


Marcos Vidal

2 comentários:

  1. O homem que se desvincula da tradição, buscando refúgio na verdade fundada em seus próprios sonhos - nas verdades que decide construir e nas quais escolhe crer - não corre o risco de se isolar e desaprender valores como o sacrifício e a doação?

    É uma perguntinha pra apimentar a discussão. Grande abraço!

    O blog tá ótimo (:

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  2. Gostaria de sentir e viver exatamente o contrário, mas é isso que vemos por aí. O Bauman diz uma coisa que eu acho que resume tudo:"Tudo que fazemos ou deixamos de fazer fará diferença". A tradição existe intrinsecamente em nós, no entanto, a pós-modernidade já não leva mais nada disso em consideração. Que venha os novos tempos.

    Valeu Clécio

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