domingo, 14 de dezembro de 2008

Apenas um corpo



Não era comum. Seu olhar mastigava palavras: o dentro era fora e sua sede pelas coisas nuca cessava.
Foi pela manhã, quando o sol ainda bocejava que percebeu ser outro. O gosto das coisas travado na garganta, seu corpo dormente e a sensação de flutuar. Não sentia mais o peso de sua carne. Perdeu-se na inocência de não saber olhar.
O passado morto. O presente mal vivido por não entendê-lo. Buscava a dor na alegria insana, pois sorrir era um dispositivo quente que adornava seu corpo frio. Seus sonhos dormiam numa tela branca, vazia.
Buscava entender na boca do céu ser alimento celeste. Descobriu-se grão fora da areia, do todo. Não ia nem vinha.
Desconfiado sentou-se numa pedra. Ouviu o cinza da pedra. Bebeu da poeira fina para que assentasse o gosto do seu eu, pedra. Resvalou para um corpo vivo, morto ali adiante. Alimentou-se dele e não obteve resposta. Queria ser mesmo sem saber o quê.
Anoiteceu, e a mão negra da noite ofereceu-lhe uma consciência fugaz. Tornou a si. Um velho manco e sujo. Ao seu lado a dor da idade e um litro de aguardente.

Marcos Vidal.
Caruaru, 26 de setembro de 2000.

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